O Governo angolano (diz que) lamenta a falta de projectos realistas na cadeia produtiva, razão pela qual tenta (é o que faz há mais de 40 anos) justificar a crónica carência de produtos da cesta básica, o exponencial aumento da fome e o crescente número de angolanos pobres, 20 milhões antes da pandemia da Covid-19.
Por Orlando Castro (*)
Nem mesmo o Programa de Apoio ao Crédito (PAC), criado em cima do joelho e de forma apressada para dinamizar a produção interna e abrir caminhos para as exportações, está a desatar o nó (górdio) que embaraça o sector empresarial privado e mostra a criminosa incompetência dos sucessivos governos do MPLA para diversificar a economia, tal como – não tenhamos medo da verdade – fizeram os portugueses até 1974.
A fuba de milho, a base da alimentação dos angolanos, chega a custar 800 kwanzas, contra os 100 kwanzas que o cidadão desembolsava por cada quilograma. É claro que a fuba não entre na dieta alimentar dos angolanos de primeira mas, apenas e exclusivamente, na dos escravos em que o MPLA transformou a esmagadora maioria dos angolanos.
Não haverá exemplo mais consistente para ilustrar o que analistas chamam de falência da cadeia de produção, visível nas declarações da comerciante Luísa António, vendedora de produtos diversos num mercado informal.
‘‘Acho que não teria necessidade de estar assim muito elevado, o quilo de milho está caro. Também o feijão, o arroz e o açúcar. As pessoas reclamam, mas por causa da fome acabam por comprar’’, indica a vendedora.
Agarrado ao PRODESI (Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações), o muito propagandeado programa de incentivo à produção nacional e substituição das importações, o Banco de Desenvolvimento de Angola (BDA), tutelado pelo Ministério da Economia, acena com mais de 300 mil milhões de Kwanzas para o crédito.
O problema, segundo o director do seu gabinete de fiscalização, Bonifácio Sessa, é que o sector privado não apresenta projectos realistas e financiáveis.
‘’Ainda há poucos projectos aprovados. Há necessidade de os bancos comerciais procederem à aprovação de projectos e remeterem ao BDA, que vai dar cobertura a uma certa percentagem’’, explica aquele gestor.
A empresária Ana Sofia Garrido, que representou a Associação Comercial de Benguela num recente frente-a-frente com quadros do Executivo, assinalou que a falta de estabilidade cambial é um problema a ter e conta, lembrando que os últimos cinco anos empobreceram a classe.
‘’Se recorrermos ao banco, para quem vamos produzir? Neste momento, a população não tem poder de compra, e atenção que o Estado é o maior empregador. E qual é o salário mínimo? Os nossos principais clientes são os angolanos, só depois a exportação, podemos ter problemas sociais’’, comenta Ana Sofia Garrido.
Governo e empresários procuram acertar agulhas em nome do combate à fome, fenómeno que assola mais de 23% de angolanos – de acordo com dados da ONU -, quando se sabe que a importação de bens como frango, óleo de palma, farinha de trigo, açúcar e arroz, no mês de Janeiro, absorveu 63 milhões de dólares.
Dados oficiais indicam que os alimentos pressionam as reservas internacionais líquidas, estimadas em 10 mil milhões de dólares, metade do que existia há alguns anos.
No dia 12 de Novembro do ano passado, o secretário de Estado da Economia, Sérgio Santos, disse que o país registou, no primeiro trimestre de 2019, uma redução de cerca de 50% das suas importações, fundamentalmente nos produtos da cesta básica. Isto porque (estranho, não?) faltaram divisas para pagar ou quem desse fiado.
Sérgio Santos falava à margem do projecto de capacitação e qualificação dos recursos humanos, no quadro do Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações (PRODESI).
Segundo o Secretário de Estado da Economia, as dificuldades na obtenção de divisas para as importações têm potenciado a produção local, com destaque para os produtos da cesta básica. Então em que é que ficamos? Potenciar significa aumentar ou é apenas mentir?
O governante frisou que o país registava uma maior oferta de produtos, nomeadamente galinhas, milho e batatas. Então estávamos, mas já não estamos, safos. Galinhas, milho e batatas já dão para os autóctones se aguentarem e baterem palmas ao Governo.
“Ainda não estamos nos níveis que desejamos, porque esse aumento da produção vai fazer-se de forma acentuada. Mas conseguimos identificar uma tendência para que se produza mais em Angola”, disse Sérgio Santos, citado pela agência noticiosa angolana, Angop. Isto, recorde-se, foi dito em Novembro do ano passado. Ou seja, há pouco mais de cinco meses.
Sem dados referentes ao restante do ano, Sérgio Santos explicou que o segundo trimestre registou uma significativa queda das importações, devido ao aumento da produção local.
“Ainda temos importação de outros produtos que são de origem nacional, como a mandioca, mas ainda temos a importação da farinha, fuba de bombó, milho, que não se justifica, porque temos capacidade de moagem, água, terreno, disponibilidade de trabalho suficiente para produzir internamente”, disse Sérgio Santos, juntando à lista o sal, como produto que já não deve ser importado.
O governo, destacou Sérgio Santos, estava a fazer esforços para a melhoria das infra-estruturas, vias secundárias e terciárias, na implementação do Programa Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM), com vista a minimizar a precariedade das vias, um dos impedimentos no escoamento dos produtos do campo.
Seis por meia dúzia ou dois vezes três?
Recorde-se que este Governo afirmou que pretende cortar para metade, até 2022, os recursos cambiais utilizados na importação de produtos da cesta básica, redução que deverá ser coberta pelo aumento, na mesma proporção, da produção nacional.
Da cesta básica, saliente-se, não faz parte a incompetência dos membros do MPLA que se governam, há 45 anos, à custa dos angolanos, nomeadamente dos 20 milhões de pobres.
O objectivo consta do famigerado PRODESI, aprovado e publicado em Julho de 2018 pelo Governo, que pretende melhorar o funcionamento dos serviços de apoio ao exportador, a competitividade do país e promover a substituição de importações por produção nacional na agricultura, pecuária, pescas, indústria, saúde, formação e educação.
Desde logo, segundo o documento, estão previstos incentivos fiscais e cambiais à diversificação das exportações e apoios ao fomento das indústrias consideradas prioritárias.
“A implementação do programa tem como prioridade a execução de iniciativas que permitam a obtenção de resultados imediatos. Paralelamente, serão criadas condições de fundo para que os impactos gerados perdurem no tempo de forma sustentada”, lê-se no documento. É claro que, no caso, “imediato” não significa “que se segue (sem intervalo no tempo ou no espaço)”.
Para 2018, o objectivo do PRODESI era cortar em 15% os gastos de divisas (euros e dólares) com a importação de produtos da cesta básica, essencialmente alimentos, e o crescimento na mesma percentagem da produção nacional (em toneladas). Esses valores deveriam duplicar em 2020, chegando aos 50% dois anos depois.
As importações angolanas de alimentos ascenderam em 2017 ao equivalente a mais de 7,5 milhões de euros por dia, pressionando as Reservas Internacionais Líquidas (RIL), que continuam com a corda no pescoço. Corda de produção nacional, diga-se.
Agora e mais uma vez surge a explicação paradigmática que serve para tudo, até para ter no governo uma seita de incompetentes: Angola vive uma profunda crise financeira, económica e cambial, decorrente da quebra para metade, entre finais de 2014 e 2017, das receitas com a exportação de petróleo, devido à baixa da cotação do barril de crude no mercado internacional, que por sua vez reduziu fortemente a entrada de divisas no país.
A exportação de petróleo ainda garante mais de 95% das receitas angolanas, peso que o Governo pretende (diz há várias décadas) redistribuir, sobretudo com o incremento da agricultura.
A (nova) Lei do Investimento Privado, que liberaliza os investimentos no país por estrangeiros, a simplificação do pagamento de impostos, a reforma do sistema de Justiça, para dar celeridade aos processos e introduzindo salas comerciais, bem como a criação de um portal único e uma “via verde” para as exportações são medidas previstas ao abrigo do PRODESI, algumas a implementar com o apoio do Banco Mundial.
Entre as metas do programa contam-se a subida nos rankings internacionais de competitividade e no Investimento Directo Estrangeiro, que nos últimos anos tem estado em queda, em Angola.
O documento aponta, “como referência”, que no ano de 1974, no período colonial português, as exportações dos 15 principais produtos não petrolíferos representaram cerca de 44% do total das exportações angolanas. Somaram, à data, 554,1 milhões de dólares, o que “representaria hoje 27 vezes o total das exportações em 2016”, que foram de 142 milhões de dólares (retirando petróleo e diamantes).
“Mesmo considerando que o contexto e os factores de competitividade de 1974 são diferentes do momento actual, é inegável admitir que o potencial de exportação nacional é evidente”, lê-se no documento.
O café é um dos produtos agrícolas que mais sentiu a quebra na produção, com o Governo do MPLA a prever uma produção média anual, até 2022, entre as 4.000 a 6.000 toneladas, valor distante das 240.000 toneladas de 1973.
Promessas também se exportam?
Os peritos do governo destacam a inovação na indústria, a agricultura e a mobilização dos recursos internos como fundamentais para a recuperação e diversificação da nossa economia.
Inovar na indústria? Desenvolver a agricultura? Mobilizar os recursos domésticos? É obra. Quem diria? É a descoberta de um verdadeiro Ovo de Lourenço (ex-Ovo de Colombo). Como é que ninguém se lembrou disto até agora?
É evidente que os angolanos já estão habituados a descobertas desta índole, sejam os protagonistas internos ou externos. Tratam-nos como matumbos mas, como somos bem educados, até nem os mandamos dar uma volta ao bilhar grande.
Vejamos o exemplo que nos é dado pelo próprio Presidente da República, João Lourenço, quando nos brinda com a tese de que o desenvolvimento económico e social do país só pode ser feito com a participação do empresariado privado. É obra!
O Titular do Poder Executivo falava, no dia 5 de Janeiro de 2018, numa audiência com empresários nacionais no Palácio Presidencial, a quem informou que o Estado tem outras responsabilidades e que compete ao sector privado da economia criar empregos e produzir bens e serviços.
Como não poderia deixar de ser, cientes de que há 45 anos que os nossos governantes preferem ser assassinados pelo elogio do que salvos pela crítica, os empresários consideraram positivas as expectativas criadas pelo Executivo, para o relançamento da produção interna, a diversificação da economia nacional e o desenvolvimento económico e social do país.
Mas há mais exemplos. O ministro de tudo e mais alguma coisa, Manuel Nunes Júnior, por exemplo, disse que Angola precisa de melhorar o ambiente de negócios e tornar o processo de aplicação de capitais no país mais célere e eficiente, para atrair o investimento directo estrangeiro.
Como é que, até agora, ninguém tinha pensado nisso? É, com certeza, uma descoberta que vai originar teses de doutoramento (no mínimo) nas principais universidades do mundo, para além de merecer o prémio Nobel da Economia. A escolha não será, contudo, fácil, tantos são os casos merecedores desse, e de outros, prémios.
Segundo Manuel Nunes Júnior, que no dia 15 de Fevereiro de 2018 discursava na abertura do seminário nacional de auscultação de empresários sobre o PRODESI, o país precisava também de introduzir ajustamentos à lei do investimento privado, processo que já estava em curso.
Reparemos, com a devida e merecida atenção, nesta descoberta que vai revolucionar a economia mundial, sendo certo que nada será igual a partir de agora. Disse o ministro que o aumento da produção nacional e a diversificação da economia são um imperativo nacional, porque se Angola não tiver uma economia forte, sustentada e diversificada não conseguirá resolver de modo satisfatório os sérios problemas sociais do país.
Manuel Júnior lembrou que de 2002 a 2008 (ainda nem ele, presume-se, estava a pensar “regressar” a Angola) o país registou taxas médias anuais de crescimento de dois dígitos e integrou a lista dos países que mais cresceram no mundo nesse período, um desempenho fortemente influenciado pela dinâmica do sector petrolífero. Quem sabe… sabe. Mas se alguém tivesse dúvidas, o ministro arrasou-as. Pedagogicamente, é óbvio.
No período em referência, a produção petrolífera conheceu um crescimento médio anual de 14 por cento e o preço desta matéria-prima aumentou, em média, 25 por cento/ano, sendo que em 2008 se abateu sobre o mundo uma profunda crise económica e financeira que teve como uma das suas consequências a redução drástica do preço do petróleo no mercado internacional.
Como consequência, no período 2009/2017 a economia angolana continuou a crescer, porém com taxas mais brandas. Quem diria, não é senhor ministro? Se não fosse Vossa Excelência e ainda estaríamos todos na idade das trevas, da ignorância.
Em função das ilações tiradas da história económica recente, o ministro Manuel Nunes Júnior salientou algo que só uma mente brilhante consegue: O país continua a ter ainda uma economia muito vulnerável a choques externos, sobretudo das oscilações do preço do petróleo no mercado internacional.
E por falar em cesta básica. É louvável a filantrópica preocupação do regime com a alimentação das populações. Para melhor eficácia na sua decisão, o grupo técnico intersectorial esmiuça todos os pormenores desta estratégica decisão depois de algumas faustosas refeições. Sim, que essa velha máxima de peixe podre e fuba podres (panos ruins e 50 angolares), bem como porrada para quem refilar, só é válida para os escravos do reino.
Portanto, ao que tudo indica, haverá alguma fartura propagandística, perdão, alimentar, sobretudo ao nível da farinha de trigo e de milho, arroz, feijão, açúcar ou sal.
Para os donos do regime, a cesta básica é composta – compreensivelmente – por outros alimentos: coisas do tipo trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e uma selecção de queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, com cinco vinhos diferentes, entre os quais um Château-Grillet 2005…
(*) Com VoA